Minha sócia e eu temos idosos na família. Pais e tios idosos também.
Há um ano, D. Ruth tia da Mirian, estava conosco como nossa convidada numa sessão de fotos nos jardins do museu do Ipiranga. Cantamos, conversamos e compartilhamos histórias. D. Ruth contou emocionada sobre como conheceu o marido Manoel e como o casal conduzia essa história de cumplicidade e amor por tantos anos.
Minha mãe tem 84 anos. Este ano completa 85. Lúcida e bem-disposta, também foi convidada a participar da sessão de fotos que daria rostos brasileiros com histórias reais ao site do Koru Centro-Dia, missão que cumpriu com alegria e naturalidade.
Ano passado, D. Ruth faleceu depois de uma sucessão de acontecimentos, deixando seu amado Manoel sozinho, atualmente passando seus dias numa ILPI – Instituição de Longa Permanência para Idosos, e dormindo na casa de uma pessoa sem vínculo de parentesco. Ano passado, minha mãe precisou elevar a dose dos medicamentos para a depressão e logo no início deste ano, teve pneumonia.
O que essas histórias têm em comum, além do processo de envelhecimento por que passaram tais personagens? As pessoas ao seu redor, que não foram preparadas para lidar com a longevidade e seus desafios.
Mirian e eu fazemos parte da chamada Geração Sanduíche, homens e mulheres de meia-idade que, naquilo que parece ser um acontecimento repentino, abrem mão de projetos individuais e de tempo para si mesmos para se dedicar aos pais idosos, tendo ainda filhos sob sua supervisão.
Os filhos de D. Ruth moram fora do Brasil, enquanto minha mãe tem seis filhos morando por aqui mesmo. Apesar disso, ambas passaram por momentos delicados que exigiram atenção e cuidado e não obtiveram um suporte integral que a própria idade já exigiria.
No caso de Ruth, o que ocorreu foi um evento adverso seguido por um efeito cascata, uma sucessão de problemas que a levou ao óbito. E no caso de minha mãe, ficou a reflexão se esses dois episódios relevantes para alguém de 84 anos, já não poderia ser indício de uma fragilização e portanto, merecedores de muita atenção.
Mas de que atenção estou falando? Seria o “ficar em cima”, controlar, exigir? Trazer os idosos para mais perto? Qual o momento de perceber que a atenção deve ser redobrada e que há necessidade de supervisão em algumas tarefas?
A geração sanduíche ainda busca essas respostas. No centro-dia é comum o familiar que liga e vai logo dizendo, “ não sei como dizer para minha mãe que ela não tem mais condições de fazer as coisas em casa”, “minha tia está me julgando dizendo que quero abandoná-lo”. Mas quem recebe a tarefa de cuidar de um idoso tendo carreira, filhos e uma vida para tocar adiante sabe o quanto é estafante e difícil conseguir administrar o cuidado sem conflito, culpa, medo de errar, sensação de estar perdido, irritação e cansaço. E tudo isso ocorre porque não fomos preparados para passar por esse momento com tranquilidade e com suporte técnico e orientações adequadas de como proceder.
Esse é o papel do centro-dia. Ofertar uma equipe multidisciplinar que enxerga além da linguagem falada, que observa sinais corporais e não -verbais, que ouve além das palavras. Enquanto a equipe estimula e cuida do idoso, o familiar dá conta de gerenciar somente a sua rotina. E aos finais de semana pode revezar o cuidado com outro familiar ou ainda com um cuidador formal conseguindo assim, descansar.
Nós da geração sanduíche recebemos esse presente, ou talvez, essa missão. Como desbravadores de mares ora calmos, ora profundos e revoltos, temos a incumbência de mostrar à humanidade que o cuidado aos idosos é necessário, possível, pode ser menos estressante se for compartilhado, que pode ser sim, prazeroso ainda que cansativo.
Nós da geração sanduíche, temos que contar e mostrar às gerações mais novas que precisamos cuidar do modo como desejamos ser cuidados lá adiante.
Precisamos dizer à D. Ruth e ao sr. Manoel que sentimos muito por esta tal longevidade não tê-los alcançado como um presente. Quanto à minha mãe, ainda há um tempo para dizer-lhe que ela precisa e será observada mais atentamente e que estamos juntos nesse barco.
Gratidão à vocês idosos, que com suas próprias tormentas e calmarias, vão nos revelando os melhores caminhos a seguir.